De tanto ouvir sobre tragédias nos noticiários, fruto de encontros ora do acaso, ora de forma premeditada, envolvendo pessoas inocentes e bandidos, refleti que isso sempre ocorreu, sabe-se lá desde quando; hoje certamente em maior escala e riscos.
A tecnologia vem contribuindo, seja pelo telefone celular ou pelo computador, para esses contatos entre pessoas, muitas vezes envolvendo crianças, e também casais virtuais, sem que os personagens troquem olhares ou sintam o perfume do outro, - dirá o ferormônio, deixando de lado a visão de um certo jeito de andar... Ai veio-me a lembrança de tempos não tão distantes, da prática interiorana na busca pela cara-metade reservada nos altares de Deus, dos sonhos de cada um. Os encontros aconteciam também em qualquer lugar mas, muito freqüentemente, nas praças. A Siqueira campos, aos domingos à noite, era o grande palco onde as garotas passeavam num rito austero e delicado, nunca sozinhas, mas em pequenos grupos, de braços, limpas e cheirosas, em seus vestidos bonitos e pouco insinuantes, repetidos com choro e não menos espetaculares. Desfilavam contornando a praça para uma platéia de marmanjos que ficava à margem, aparentemente alheias a eles em seus segredos. Vez ou outra os olhares se cruzavam furtivamente, deixando alguma dúvida que só seria revelada no giro seguinte.
Confirmado pelo olho no olho, o coração dispara e as pernas – pelo menos as minhas, fraquejavam diante da próxima etapa do passeio, quando lá vem a todo-poderosa, e o homem deixa de ser menino, dirigindo-se à pretendida sem medo de uma “rabissaca”, ou de um “corte”, roubando-a de seu grupo e convidando-a a sentar-se em um dos bancos, no centro daquele carrossel de ilusões, de encanto, de paixões e de decepções... Ainda ouço os risos e os incentivos dos amigos que continuavam a tentar a sorte...
Dali, relações afetuosas se formavam e vingavam, como foram as do meu pai e da minha mãe, e de muitos outros que, como eu, são românticos e nostálgicos e só acreditamos, a exemplo de São Tomé, após termos visto,tocando e cheirado! Talvez a única vantagem de agora é que os pais não precisam mais entrar em casa na ponta dos pés a fim de surpreenderem o namoro dos filhos ou dos netos, pois através da telinha do computador não se escutam as juras de amor, mas apenas o barulho discreto do teclado tocado por mãos que não afagam, transmitindo mensagens ditas por bocas mudas que não beijam, olhos que não vêem e corações que apenas batem mas provavelmente não sentem. Seus aposentos trancados têm um cheiro azedo de suor, chulé e mofo, por proibirem o sol de lá entrar e iluminar-lhes as mentes modernas. À noite, semanalmente, sedentos iguais NOSFERATUS, encontram-se em baladas, num ritual de ficar por alguns instantes, revezando-se num pescoço marmóreo e exaurido, e retornam sem paixão, sem afeto e sem norte.
Tantas modas voltam, mas, infelizmente, tenho a impressão que as praças não têm mais pistas apropriadas para o flerte (expressão caduca e estranha), mas para corridas ou caminhadas cronometradas , silenciosas, individualizadas, daqueles que visam melhorar a condição física pelo culto ao corpo, a despeito de haver ali alguém solitário que ainda hoje arrisca um olhar a partir do circulo externo... Ou será que a vida é que está sempre indo e nós é que, de fato, ficamos?
Crato, CE, 10/12/08.
Dr. João Marni de Figueiredo.
Dr. João Marni de Figueiredo.
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