sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Os Guris da Rua Coronel Secundo



Didaticamente, a vida pode ser dividida em três fases: o passado - que já acabou; o presente - em extinção; e o futuro - mera expectativa. Sempre que a vida nos aborrece quando estamos já adultos, sentimos uma necessidade urgente de sorrir e aí recorremos ao passado, se tiver sido bom.
Felizmente, todos nós, da rua Coronel secundo, nos anos cinqüenta, dourados, mesmo os de poucos recursos, gozamos de uma infância feliz, pois tivemos o básico para acharmos a vida prazerosa: um teto, uma família, alimentação suficiente, ótimo ensino público e uma rua, berço e palco do talento de cada um.

Acordávamos cedo e nos recolhíamos pouco depois do anoitecer. Nada havia de mais interessante a fazer do que dormir e sonhar.

Quanto verde havia: o bosque (hoje a Praça Alexandre Arrais), as matas ciliares do rio Granjeiro (das piabas), a mata de Seu Jéferson e o Sítio Lameiro. Sob essas árvores, sombras queridas se foram e vozes se calaram. A beleza simples, suprema benção das coisas e das criaturas, encontramo-la na memória da infância, no areal do bosque e da nossa rua mais bonita, ainda descalça feito nós, local de matanças hoje inconcebíveis, de borboletas, com nossas camisas, e aos gritos de " alô boy, matalê um"!...

Que falta faz a lama e o cheiro desses lugares que pisamos e que nos inundaram até o espírito, a ponto de nenhum banho, ainda hoje, ser capaz de nos lavar. Vejo, admirado, que muitos meninos de agora não mancham as suas roupas com nódoas de caju... Que vida sem graça!

Nos reencontros dos amigos da rua não catamos os sinais de decadência do outro, mas procuramos amavelmente as marcas dos nossos pequenos pés na areia... Usamos a imaginação e viajamos ao tempo em que as águas do rio eram claras, onde lavávamos até nossas almas e voltávamos alegres e felizes pela rua da qual fizemos estribo para a vida.

Hoje as pessoas têm pressa. Não param mais para conversar, como fazem as formigas... mas nós da rua Coronel Secundo, não; pois sempre valorizamos o toque interpessoal, antenados que somos com base nos pilares da formação humana, quais sejam: o amor, o respeito e humildade, da grande família parquense pelo bom Deus.

O escritor João do Rio, em sua obra " A alma encantadora das ruas", faz uma citação belíssima: "...Eu amo a rua; e esse amor assim absoluto e assim exagerado é partilhado por todos nós. Nós somos irmãos, nos sentimos parecidos e iguais porque nos une, nivela e agremia o amor da rua. É este sentimento impertubável e indissolúvel, o único que , como a própria vida, resiste às idades e às épocas".

Assim somos os filhos da Coronel Secundo: Os Bantim, Correia, Figueirêdo, Lóssio, Dantas, Siebra, Martins, Paletó, Chagas, Alencar, Barbosa, Matos, Policarpo, Abath, Pinheiro, Jamacaru...




Crato/CE, 12.11.2008.
João marni de Figueiredo

2 comentários:

João Marni disse...

Nobre Marni,





Simplesmente encantadora a tua crônica sobre os pequenos do parque, mormente aqueles da histórica Coronel Secundo, hoje presentes em nossa memória.



Sem a presunção de contrariar o insubstituível Ataulfo Alves, quando dizia " Na infância eu era feliz e não sabia". Apenas digo eu: NA MINHA INFÂNCIA EU ERA FELIZ E SABIA.



O parque nos deu régua e compasso e os nossos caminhos, de forma individualizada, claro, foram traçados com os alicerces morais, educacionais e religiosos dos nossos inesquecíveis pais.



Tu, Marni, foste muito feliz ao fotografar o passado e, no presente, nos revelar em cores a nossa própria história de bravura e de solidez, marcas indeléveis e caracterizadoras de cada parquense.



Em assim sendo, ao dobrar a esquina da última página de tua bela crônica, e já sem conseguir dominar a impulsividade de minhas lágrimas, rogo aos Deuses que te inspiraram a tanto, que continuem, de igual modo, a iluminar também este grande médico que há em ti.



Em meu nome e em nome de nossa família, permita-nos abraçá-lo com a sinceridade d’alma.





Ex-corde



Crato-CE, 25/11/2008



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Hélio Teles Pinheiro

Gladstone disse...

Grande dr. João Marni...
Velhos tempos
Tempo bom.
Pena que não voltam mais.
Mas a lembrança é o ópio que nos faz viajar.

Um abração amigo